O filme Pânico (Scream), de Wes Craven, oferece uma oportunidade interessante para uma análise psicanalítica freudiana. A obra, lançada em 1996, é conhecida por revitalizar o gênero de filmes slasher, incorporando elementos de metalinguagem e humor. Entretanto, por trás da narrativa de horror e assassinatos, também podemos interpretar o filme através das lentes da teoria freudiana, explorando aspectos como a pulsão de morte, os mecanismos de defesa, o retorno do recalcado e as dinâmicas familiares.
1. A Pulsão de Morte
Freud desenvolveu o conceito de Thanatos, ou pulsão de morte, como uma força inconsciente que busca a destruição, tanto de si mesmo quanto do outro. Em Pânico, essa pulsão se manifesta através dos assassinos, Billy e Stu, que são movidos por impulsos destrutivos. Eles não apenas abreviam as vidas de suas vítimas brutalmente, mas também parecem desfrutar do caos e do medo que causam. Para Freud, o prazer no sofrimento alheio pode estar ligado à liberação de tensões internas e à agressividade inata, características da pulsão de morte.
Billy, em particular, pode ser visto como alguém que exterioriza sua própria pulsão de morte ao infligir violência sobre os outros, canalizando sua frustração e raiva, que tem origem em traumas familiares. Ele não só destrói fisicamente, mas também busca o colapso psicológico de suas vítimas, representando o impulso de destruição tanto do corpo quanto da mente.
2. O Retorno do Recalcado
Freud sugeriu que o inconsciente é formado por conteúdos reprimidos, que, embora afastados da consciência, sempre buscam retornar à superfície. No filme, esse "retorno do recalcado (ou reprimido)" aparece na trama central, onde o passado traumático da protagonista, Sidney Prescott, relacionado à morte de sua mãe, volta para assombrá-la na forma dos assassinatos e da revelação final sobre Billy e sua motivação.
A figura da mãe de Sidney é o centro de um trauma reprimido: ela foi assassinada em um contexto de traição e promiscuidade, e esse evento reprimido retorna de maneira aterrorizante, quando Sidney descobre que a raiva de Billy está diretamente conectada à infidelidade de sua mãe.
A violência do presente é, então, a repetição traumática do passado, exemplificando o retorno do recalcado através da vingança violenta.
3. Mecanismos de Defesa
Os personagens de Pânico também exibem uma série de mecanismos de defesa freudianos para lidar com o terror e a violência que enfrentam.
Sidney, por exemplo, utiliza a negação e a supressão para lidar com o luto pela mãe e o medo da violência. Ela inicialmente nega o impacto que a morte da mãe teve sobre ela, evitando confrontar a dor e a verdade.
Podemos considerar que Billy Loomis utiliza o deslocamento como um dos seus mecanismos de defesa. Na psicanálise freudiana, o deslocamento ocorre quando um indivíduo transfere seus sentimentos ou impulsos, geralmente negativos ou reprimidos, de um alvo original para um alvo substituto, que é considerado menos ameaçador ou mais acessível.
Como o deslocamento se manifesta em Billy:
Ressentimento com a mãe: Billy carrega uma raiva profunda em relação ao abandono de sua mãe, que o deixou após descobrir o caso extraconjugal de seu pai com a mãe de Sidney Prescott. No entanto, ao invés de expressar diretamente essa raiva contra seus pais (especialmente seu pai, que é o verdadeiro responsável pelo rompimento familiar), Billy parece deslocar essa agressividade para Sidney e para outros alvos mais "seguros".
Deslocamento da raiva em Sidney: Sidney, como filha da mulher com quem o pai de Billy teve um caso, acaba se tornando o alvo da fúria de Billy. Em vez de direcionar sua raiva para sua própria família, Billy a transfere para Sidney, culpando-a indiretamente pelo colapso de sua vida familiar e usando isso como uma justificativa para seu comportamento homicida. Isso é um claro exemplo de deslocamento, onde a raiva e o ódio que pertencem a um contexto familiar íntimo são canalizados para um alvo externo.
Deslocamento no contexto das mortes: A violência que Billy exerce contra as outras vítimas também pode ser vista como uma forma de deslocamento. Ele canaliza sua raiva reprimida e sua pulsão destrutiva não apenas para Sidney, mas também para outras pessoas que, na verdade, não estão diretamente ligadas ao seu trauma familiar. Isso reflete o padrão típico do deslocamento, onde os sentimentos negativos são redirecionados para alvos que não são os verdadeiros causadores do sofrimento.
4. Complexo de Édipo
O Complexo de Édipo, central à teoria freudiana, também pode ser relacionado aos temas familiares do filme. Billy, ao matar a mãe de Sidney e buscar vingança pelo abandono de sua própria mãe, está envolvido em um drama edípico que coloca a figura materna no centro de suas frustrações. Ele sente-se traído pela mãe que abandonou a família, o que desencadeia sua raiva e desejo de destruição.
Freud falou sobre como a relação com os pais forma a base de muitos conflitos inconscientes. Billy, ao ver sua mãe ir embora por conta da infidelidade da mãe de Sidney, externaliza sua agressão contra a família Prescott, mas, simbolicamente, sua raiva está enraizada na traição de sua própria mãe.
5. A Máscara como Símbolo
O uso da máscara pelo assassino pode ser lido psicanaliticamente como uma forma de anonimato que permite que os impulsos mais primitivos e reprimidos sejam liberados. Segundo Freud, a sociedade e o superego impõem regras que controlam nossas pulsões agressivas e sexuais, mas, atrás da máscara, essas repressões são temporariamente suspensas. A máscara do Ghostface permite que os assassinos realizem seus desejos agressivos e destrutivos sem sentirem culpa ou medo das consequências. Alguma semelhança com as interações atuais na internet?
Conclusão
A análise freudiana de Pânico revela como o filme lida com temas inconscientes profundos, como a pulsão de morte, o retorno do reprimido, mecanismos de defesa e complexos familiares. Ao explorar o terror psicológico e as motivações por trás dos atos violentos, Wes Craven construiu uma narrativa que vai além do slasher tradicional, tocando em questões fundamentais sobre como a psique humana lida com o trauma, a culpa e a agressão. O filme, sob a ótica psicanalítica, pode ser visto como uma expressão cinematográfica dos conflitos entre o id, o ego e o superego, além da luta constante entre Eros (pulsão de vida) e Thanatos (pulsão de morte).
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