Portanto, aqui seguem algumas análises psicanalíticas que vamos apresentar sobre o filme. É válido ressaltar que o que vai ser exposto aqui, não necessariamente está relacionado com a intenção dos roteiristas ou da diretora. É apenas uma percepção minha do filme PISQUE DUAS VEZES.
SINOPSE:
A garçonete Frida conhece o bilionário Slater King e concorda em passar as férias em sua ilha particular. Mas o que parecia ser a viagem perfeita se torna uma experiência angustiante quando Jess, a melhor amiga de Frida, desaparece. A garçonete questiona a realidade após situações estranhas acontecerem e luta para descobrir a verdade.
ATENÇÃO! A PARTIR DE AGORA, NOSSA ANÁLISE CONTÉM SPOILERS!
Uma análise psicanalítica de "Pisque Duas Vezes" pode explorar as profundezas do inconsciente, a dinâmica entre os personagens e os símbolos que emergem ao longo da narrativa, oferecendo uma interpretação focada nos aspectos psicológicos e emocionais.
1. O Inconsciente e a Repressão
O filme apresenta personagens cujas ações são frequentemente motivadas por forças inconscientes. É possível compreender que o que acontece na ilha parte de desejos reprimidos de alguns personagens. A repressão desses sentimentos pode ser vista como a principal fonte de tensão na trama, onde alguns personagens escondem aspectos de si mesmos que são considerados socialmente inaceitáveis. Provavelmente, permitem-se entrar em contato com estes desejos apenas quando estão na ilha isolada. Ou seja, longe dos julgamentos da sociedade.
Outro fator interessante é o esquecimento das vítimas das atrocidades que acontecem na ilha. Na trama, esta falta de memória dá-se a partir de uma determinada substância. Entretanto, pensando do ponto de vista psicanalítico, o que ocorre na prática é que este esquecimento é ocasionado quando um acontecimento gera um afeto extremamente desconfortável para o indivíduo. Neste caso, a memória torna-se recalcada, sendo "guardada" no inconsciente individual, continuando ainda a influenciar a sua vida.
2. A Dualidade do Ego
O conceito freudiano de "dupla" ou "doppelgänger" é relevante aqui. "Pisque Duas Vezes" sugere que os personagens que provocam as ações censuráveis - para dizer o mínimo - lidam com aspectos fragmentados de suas identidades. Essa dualidade pode ser entendida como uma representação do conflito entre o ego e o id, ou entre o consciente e o inconsciente. No final, é possível ver claramente um mecanismo de defesa conhecido como racionalização quando o dono a ilha justifica a utilização da substância que provoca o esquecimento e relacionando isso com a suposta impossibilidade do perdão.
Como salientamos anteriormente, a ilha pode ser vista como o ambiente que estimula alguns personagens a entrar em contato com seus desejos reprimidos por ser um ambiente supostamente longe das consequências jurídicas e sociais. O título do filme, que alude à necessidade de "piscar duas vezes", pode simbolizar a percepção de duas realidades ou dois aspectos da psique que coexistem e que estão em constante tensão.
3. A Angústia e a Ansiedade
A atmosfera de suspense e tensão pode ser vista como uma externalização da angústia interna dos personagens. A ansiedade que permeia a narrativa pode ser interpretada como resultado da luta constante para manter as pulsões sob controle. Quando essas pulsões ameaçam romper as defesas psíquicas, a ansiedade se intensifica, manifestando-se através de comportamentos irracionais ou paranoicos.
4. Os Símbolos e o Significado Oculto
O filme está repleto de símbolos que possuem significados inconscientes. Objetos, lugares, ou ações repetitivas podem representar desejos ou medos profundos. Você já percebeu a quantidade de vezes que objetos e lugares com a cor vermelha são apresentados sutilmente nas cenas? Há aqui, na minha opinião, uma relação entre a cor vermelha e os desejos reprimidos do dono da ilha e seus amigos.
Qual o simbolismo do coelho? Isto depende do contexto. Porém, podemos, neste caso, relacionar o coelho à questões de fertilidade, sexualidade, vulnerabilidade e medo; ou ainda como uma símbolo de guia para o conteúdo recalcado inconsciente, como ocorre em Alice no País das Maravilhas. Se este último exemplo for considerado, pode-se aqui compreender o acesso ao conteúdo inconsciente como a exploração aos desejos reprimidos e aspectos sombrios do psiquismo.
Outra questão é sobre o simbolismo das cobras que aparecem no filme em diversos momentos. Se pensarmos nela como um símbolo fálico, podemos perceber outro elemento ligado desejo sexual masculino. Há outras formas de compreensão também sobre a cobra: Morte e Renascimento - devido à sua troca de pele -, antecipando o desfecho do filme; Tentação e desejos proibidos, uma vez que a cobra no contexto judaico-cristão é a representação destes elementos.
A psicanálise se interessa particularmente por esses símbolos, pois eles fornecem pistas sobre os conflitos internos dos personagens. Por exemplo, a necessidade de "piscar" pode simbolizar a tentativa de afastar uma realidade dolorosa ou de encarar uma verdade que o personagem preferiria ignorar.
5. A Pulsão de Morte
O conceito freudiano de Thanatos, ou Pulsão de Morte, é relevante aqui, pois vemos aspectos como autodestruição a partir da utilização exagerada e inconsequente de substâncias ilícitas.
Outra questão interessante é a busca por situações de risco ou a repetição de comportamentos autodestrutivos. Isso pode ser visto como uma manifestação dessa pulsão, onde os personagens são atraídos, de forma inconsciente, para situações que ameaçam sua própria existência ou integridade psíquica. Você iria para uma ilha com pessoas que acabou de conhecer?
Em resumo, "Pisque Duas Vezes" oferece ricos elementos para a análise psicanalítica, explorando temas como repressão, dualidade egoica, angústia e os símbolos do inconsciente. Através dessa lente, o filme se torna uma investigação profunda das forças internas que moldam o comportamento humano e os conflitos que emergem quando essas forças são confrontadas.
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