Análise Psicanalítica do filme A NOITE DOS MORTOS VIVOS, de George Romero (1968)

Um dos grandes clássicos da história do cinema do terror é, sem sombra de dúvidas, A Noite dos Mortos Vivos, de George Romero. O filme lançado em 1968 contou com um baixíssimo orçamento, mas acabou sendo um sucesso de bilheteria, transformando o diretor no Pai dos Mortos Vivos - apesar de filmes com esta temática já terem sido lançados anteriormente. 

Neste post, vamos articular elementos marcantes do filme com uma análise psicanalítica. Acompanhe conosco mais essa matéria que também vai ser gravada em forma de áudio no podcast TERROR E PSICANÁLISE, produzido solitariamente por mim, Márisson Fraga.


SINOPSE: 
Um grupo pessoas se refugia em uma casa abandonada quando cadáveres voltam à vida e tentam devorar os vivos. O pragmático Ben faz o possível para controlar a situação, mas quando os zumbis cercam o local, os outros sobreviventes entram em pânico.

MINHA ANÁLISE PSICANALÍTICA DO FILME "A NOITE DOS MORTOS VIVOS (1968)":

1. O Retorno do Recalcado

Na psicanálise freudiana, o conceito de "retorno do recalcado" refere-se à ideia de que desejos, traumas e pulsões que são reprimidos no inconsciente acabam por retornar de forma distorcida como, por exemplos, pesadelos, sonhos, sintomas físicos sem causas clínicas explicáveis, auto sabotagem, entre outros. 

Os zumbis em A Noite dos Mortos-Vivos podem ser vistos como a personificação desse retorno do recalcado. Representam aspectos primitivos da psique humana, como a pulsão de morte, agressividade, que são reprimidos pela sociedade civilizada (como especialista em Antropologia, me incomodo com esta palavra, mas me baseei no texto O MAL ESTAR NA CIVILIZAÇÃO, de Sigmund Freud), mas que, ao serem ignorados, voltam de maneira destrutiva e incontrolável.

Esses zumbis simbolizam a natureza humana primitiva que a civilização (olha a "bendita" palavra aqui de novo) tenta suprimir, mas que, em situações de crise, irrompe com força total. Eles não têm personalidade, desejo consciente ou raciocínio, atuando puramente a partir da instância psíquica que poderíamos considerar como ID. 

2. O Medo da Morte e a Pulsão de Morte (Thanatos)

Como este projeto visa fazer análises psicanalíticas de filmes de terror, é quase impossível não articular com o conceito de Pulsão de Morte. 

Freud postula que, além da Pulsão de Vida vida (Eros), os seres humanos também têm uma Pulsão de Morte, conhecido como Thanatos, que leva à autodestruição e à repetição de comportamentos destrutivos. 

A Noite dos Mortos-Vivos confronta os personagens com a morte inevitável e constante. A Pulsão de Morte não é só simbolizada pela ameaça externa (os zumbis), mas também interna, à medida que os personagens lutam para sobreviver, enfrentando suas próprias tendências autodestrutivas, especialmente em momentos de desespero e medo.

A violência e a brutalidade que emergem entre os sobreviventes, enquanto tentam se proteger, indicam que o Thanatos não se limita aos zumbis. Ele está presente em cada personagem, que manifesta não apenas a busca pela sobrevivência, mas também o de destruição, mesmo contra outros humanos.

3. O Colapso da Ordem Social e o Conflito do Ego

O filme mostra o colapso da ordem social diante do caos, um conceito freudiano relacionado à função do ego. O ego, que tenta equilibrar os impulsos do id (instintos primitivos) e as exigências do superego (as regras morais e sociais), é desafiado à medida que a ordem social desmorona e as normas se rompem. Na casa onde os personagens se refugiam, vemos como as tensões aumentam e a cooperação se dissolve, ilustrando a incapacidade do ego de manter o controle sobre os impulsos mais básicos de agressão e sobrevivência.

A casa, que deveria simbolizar segurança, torna-se um espaço de isolamento e conflito, refletindo o colapso das barreiras que protegem o ego da irrupção dos instintos mais primitivos do id. Isso é evidenciado nas interações entre os personagens, que começam a desconfiar uns dos outros e agir de maneira irracional e violenta.

4. A tensão entre o Id e o Superego

A tensão entre o id e o superego é central no comportamento dos personagens. O id é representado pelos zumbis — entidades que agem por puro instinto, sem restrições, seguindo seus desejos primitivos de consumir e destruir. Os personagens humanos, por outro lado, são inicialmente regidos pelo superego, tentando manter a ordem, a moralidade e os laços sociais. No entanto, à medida que o filme avança, o id começa a dominar, e os personagens se veem em uma luta pela sobrevivência que muitas vezes vai contra as normas sociais e éticas estabelecidas.

Por exemplo, o personagem Ben tenta manter a calma e a racionalidade, representando a luta do ego contra os impulsos primitivos. No entanto, o isolamento e a desesperança começam a corroer essa fachada, revelando que, diante da ameaça externa, o equilíbrio entre id, ego e superego começa a se desfazer.

5. O Conflito entre Eros e Thanatos

Freud também acreditava que o comportamento humano era governado por uma tensão entre Eros (Pulsão de Vida) e Thanatos (Pulsão de Morte). Em A Noite dos Mortos-Vivos, essa dualidade é evidente. De um lado, os personagens lutam para sobreviver (Eros), tentando se proteger dos zumbis e manter a vida. De outro, o filme está permeado pela presença constante da morte (Thanatos), representada pelos zumbis e pela destruição iminente que eles trazem.

A luta entre a vida e a morte no filme não se limita ao confronto com os mortos-vivos, mas também ao comportamento dos personagens humanos. A destruição interna, o conflito entre os sobreviventes e a crescente desconfiança mostram que o Thanatos permeia não só o ataque externo, mas também a dinâmica entre as pessoas, revelando que a autodestruição é uma constante ameaça.

6. O Trauma e a Repetição

O filme também pode ser lido como uma representação de uma das dinâmicas do trauma. O horror que os personagens experimentam ao enfrentar os mortos-vivos reflete a incapacidade de processar um evento traumático. Freud sugere que, quando o trauma não é processado, ele volta a se manifestar de forma repetitiva, como os zumbis que continuam retornando. 

A Noite dos Mortos-Vivos pode ser vista como uma metáfora para o trauma não resolvido, onde os mortos (que representariam memórias reprimidas) retornam continuamente, perturbando a ordem e a estabilidade.

Creio que aqui temos alguns elementos importantes que podem ajudar-nos a entender um pouco mais da psicanálise, principalmente se é como eu: gosta de filmes de terror e psicanálise. 

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